sábado, 1 de agosto de 2009

O Valor do Silêncio

O dia amanheceu frio envolvido numa chuva fina que caia pacientemente. O ritmo dos pingos no telhado produzia um som morno que convidava a ficar na cama um pouco mais. O alegre canto dos pássaros se fazia ouvir como música de fundo harmonizando o cenário bucólico.

Na casa estávamos observando um tempo de silêncio como forma de cultivo de nossa espiritualidade. Momentos preciosos estes. Silenciamos procurando aguçar nossos ouvidos e nossas percepções espirituais para ouvir a voz de Deus no nosso íntimo procurando dar-lhe atenção exclusiva. É uma experiência que exige disciplina, pois, em situações normais estamos sempre querendo nos fazer ouvir.

Vivendo em centros urbanos, estamos o tempo todo envolvidos por sons: buzinas, motores, conversas, gritos... Tal vivência nos faz tão habituados ao barulho que passamos a ter no silêncio uma situação incômoda e ameaçadora. Isso pode ser percebido no hábito comum de se chegar em casa e, imediatamente, ligar a TV ou o som sob o pretexto de ver o noticiário ou de ouvir uma música para relaxar. Em muitos casos isto revela uma dificuldade de convivência com o silêncio. Há até aqueles que estão ocupados com outras coisas, mas, ligam a TV para terem a sensação de não estarem sós. A solidão e o silêncio os assusta.

Com isso vamos perdendo o contato com o nosso próprio ser ficando cada vez mais incapazes de nos questionar sobre nossas posturas diante de Deus e da vida. Essa dificuldade de fazer silêncio atrofia o entendimento sobre nós mesmos e bloqueia nossos recursos para a manutenção de relacionamentos profundos.

Experimentar a solidão em silêncio, deliberadamente, é aprender o caminho de volta a si mesmo, à consciência do próprio ser. É proporcionar as condições para que se promova uma reunificação de nossa interioridade fragmentada nos afazeres da vida. É recuperar a inteireza de nosso centro vital. Fazer silêncio nos permite ouvir as harmonias que ecoam nas profundezas de nosso intimo.

Ao longo da História nós, os ocidentais, sempre fomos incentivados a falar, a argumentar, a favor ou contra alguém ou alguma coisa. Reivindicar nossos direitos. Por conta disso os diálogos, geralmente, não têm sido oportunidade para uma verdadeira troca de idéias, mas uma experiência de reafirmação pessoal. No decorrer de uma conversa ficamos esperando que surja uma lacuna no discurso do outro, e, aguardamos com ansiedade que ele se cale para, então, contra argumentarmos, com veemência, demonstrando o nosso ponto-de-vista. Assim, não ouvimos plenamente o que o outro está tentando nos comunicar. Não o compreendemos e nem fazemos o esforço de compreendê-lo.

Ao sairmos de uma experiência dialogal no estilo acima descrito, nada de novo foi agregado ao nosso mundo. Saímos como entramos, compenetrados da validade e consistência de nossos próprios conceitos e com a alegre satisfação de termos “vencido mais uma” assumimos o tom competitivo que tem marcado as relações entre as pessoas no mundo contemporâneo.

Tal fato denuncia que estamos fora de nosso centro, de nossa essência, e isso nos torna defensivos. Essa circunstância nos leva, no exercício do encontro com o outro, a apenas reagir ao que ele diz; e ao apenas reagir o meu ponto de partida não tem origem em mim mesmo, nem nas minhas próprias idéias, sentimentos ou emoções. Minha expressão teve como centro motivador os sentimentos e idéias do outro. Foi o meu interlocutor quem exerceu controle sobre mim e não eu, apesar do ardor com que eu possa ter argumentado.

O diálogo que transforma só ocorre quando os interlocutores não estão interessados em vencer uns aos outros. Quando depõem suas armas argumentativas e se predispõem a ouvir os outros em plenitude, procurando captar-lhes não só as palavras, mas, também, - e talvez o mais importante – seus silêncios, reticências, hesitações, o movimento dos olhos, a intensidade da voz. Não é possível esse exercício sem uma disposição de auto-esvaziamento, de silêncio interior que implica em entrega e, ao mesmo tempo, em serena receptividade. Quando nos dispusermos, efetivamente, a ouvir os outros nossos diálogos serão verdadeiras fontes de transformação e enriquecimento pessoal. Por isso, se impõe que, periodicamente, façamos uma pausa em nossas atividades para cultivar o silêncio. Sobretudo, tentar fazer cessar o tumulto que está dentro de nós mesmos porque esse é o pior dos barulhos.

Um comentário:

  1. "Experimentar a solidão em silêncio, deliberadamente, é aprender o caminho de volta a si mesmo, à consciência do próprio ser. É proporcionar as condições para que se promova uma reunificação de nossa interioridade fragmentada nos afazeres da vida. É recuperar a inteireza de nosso centro vital"...

    Muito bom, muito bom. Só um breve comentário, amigo: até mesmo pra assistir TV ou ouvir música melhor é preciso o silêncio prévio, sua reeducação auditiva.

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