Durante
alguns anos parei de editar meus textos neste espaço. Uma série de fatores
contribuiu para esse longo intervalo. Circunstâncias várias. Mesmo assim, é
claro, não deixei de escrever. Então, um dia, em que estava bastante frustrado,
tomei uma decisão: Juntei alguns dos meus escritos, crônicas e
contos e enviei a uma Escritora.
Eu queria ouvir,
de alguém com autoridade, uma opinião objetiva e isenta sobre o que havia
de consistente nas minhas “tentativas literárias”. O desejo de escrever era uma
aspiração justa ou apenas uma pretensão vaidosa? Poucos dias depois recebi uma
resposta franca e calorosa. Ela me chamou de “escritor”. Isso me fez refletir
sobre a questão. Foi estimulante e desafiador, ao mesmo tempo. Com esse aval me
veio mais segurança para seguir em frente nesse tortuoso caminho.
Esse
honesto e carinhoso parecer fez-me
perceber que o “ser escritor(a)” se
configura desde o momento em que o “escrever” se impõe na vida de uma pessoa
como algo incontornável. Mesmo quando não
tenha conseguido ainda transformar sua
obra num produto - um livro, por exemplo - e inseri-lo no mundo
dos negócios editoriais.
A publicação, certamente, é o objetivo - e o sonho - de todo escritor. É a publicação o
fato que o expõe ao julgamento de uma comunidade leitora. Pode, através da
publicação, ganhar a visibilidade social necessária para afirmar-se e,
inclusive, para auto avaliar-se. Aí, no público leitor, a obra literária vai encontrar
seu caminho: cairá no gosto de alguns e sofrerá a rejeição de outros.
Foi
pensando nessas coisas que me lembrei das lições de Rainer Maria Rilke no
seu “Cartas a um jovem poeta”[1].
O jovem Kappus enviara alguns de seus versos a Rilke e perguntava se eram bons.
O Poeta respondeu a Kappus assim:
“Pergunta se seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o
ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras
poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro
redator. Pois bem – usando da licença que me deu de aconselhá-lo – peço-lhe que
deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos
deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar neste momento
– ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o
motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais
profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado
escrever. Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo (...) ‘Sou mesmo forçado a
escrever? Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se
puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples ‘sou’, então
construa sua vida de acordo com este necessidade.” (p.22,23)
O jovem
Kappus expressa a ansiedade recorrente em todo aspirante a escritor ou poeta:
será que meus escritos tem qualidade literária? E então começa a buscar em
editores e escritores uma opinião técnica que justifique seus esforços. Porém,
embora a publicação seja uma espécie de chancela ao escritor enquanto
personagem social, tal ato não faz do publicado um escritor no sentido
literário.
Assim sugere Rainer. Na sua
resposta ele considera que o fator decisivo que autoriza alguém a continuar
insistindo em ser escritor é o ser guiado por uma espécie de vocação, de
chamado. Uma pressão existencial irresistível que move uma pessoa a expressar
suas alegrias, angústias e perplexidades através da escrita.
Para
Rainer, portanto, o que estabelece alguém como escritor é o fato de tal ofício
constituir-se em algo vital a essa pessoa. A identidade do escritor não é definida por fatores externos como
avaliação de críticos ou de publicação. O Poeta compreendia que se o escritor
tivesse a plena consciência dos motivos que o levavam a escrever e de que isso lhe fosse algo indispensável,
então a publicação seria uma consequência natural.
Apesar de
compreender que seja necessária essa autocompreensão por parte do escritor, não
se pode negar a validade da exposição aos pares. Particularmente, àqueles que
já estão na estrada a mais tempo e já, inclusive, avançaram para a fase da
publicação. É natural, em qualquer processo de aprendizagem, aconselhar-se com
os mais experientes. E tal consulta pode desencadear um desses dois processos
na vida do aspirante: ou, encontra em si os traços dessa atração incontornável e
assim sente-se incentivado a seguir em frente e continuar buscando seu caminho,
ou conscientiza-se de que tudo não passava de fumaças de vaidade e sentir-se
livre de ilusões para seguir outro tipo de projeto.
No
meu caso foi estimulante e libertador. Fez-me colocar de lado as dúvidas e
seguir em frente no meu exercício de escrever como uma espécie de “missão”, sem
grandes preocupações com uma eventual publicação. Não que isso me seja indiferente, de modo
algum, porém, não será mais o objetivo fundamental, no entanto, não deixarei de
persegui-lo. Felizmente hoje é possível publicar sem a necessidade de editar um
livro impresso. Sou grato ao parecer da Escritora. E viva a internet.
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