segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Porta Fechada

Já era noite quando chegaram cansados da longa viagem pela estrada esburacada. Ainda tinham que caminhar uns dois quilômetros até a casa. Uma chuva fina e insistente cobria a cidade como véu prateado refletido nas lâmpadas dos postes. Sonolentas, as crianças caminhavam cambaleando para desviar-se das poças d’água espalhadas pela rua. O pai se movimentava curvado sob o peso da mala enorme. Logo após as crianças seguia a mulher equilibrando nos braços um misto de sacolas e panos soltos embolados.

A ansiedade para chegar a casa parecia alongar o caminho. A chuva ficou mais forte e passou a cair como setas geladas tirando a eficácia dos lençóis que cobriam as crianças a pretexto de protegê-las. Uma brisa fria começou a soprar aumentando o desconforto do pequeno cortejo.

-Já tá chegando, só mais um pouquinho e estaremos em casa molecada. Era o pai tentando animar os rebentos que já mostravam sinais de fadiga. A certeza, porém, de logo mais chegarem a casa lhes mantinha o ânimo para um esforço final. Aumentaram o ritmo dos passos na rua lamacenta. Era só passar pela cerca viva da propriedade de “seo” Manoel e virar à direita, pronto, chegariam a seu destino. A mãe, que caminhava calada, às vezes resmungava alguma coisa com as crianças para evitar que tropeçassem nos desníveis escorregadios da rua.

Exaustos e encharcados caminharam os cem metros finais e pararam aliviados em frente a casa simples. As crianças aproximaram-se do pai ansiosas por verem a porta se abrir para finalmente se acomodarem. A chave não entrou na fechadura. O pai tentou girar a chave para a direita, depois para a esquerda, deu solavanco, mas a porta não abriu.

Por ordem do proprietário os parcos móveis foram amontoados no final da pequena vila e a fechadura da porta fora trocada. Nem a súplica do pai, nem as lágrimas contidas da mãe e, muito menos, o choro convulsivo das crianças encontraram eco nos ouvidos do avarento proprietário.

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