terça-feira, 15 de outubro de 2013

História: indivíduo e sociedade

A história até o século XIX, era concebida enquanto realização de sujeitos individuais investidos de poder político-econômico. Os feitos desses personagens consignados em documentos oficiais escritos, pautados numa cronologia linear, factual, definiam o status de historicidade. A sociedade era compreendida a partir das configurações resultantes da decantação das ações desses grandes homens vinculados a instituições representativas como a Igreja, o Estado ou uma dinastia.
            Tais perspectivas definiam o perfil geral da chamada história tradicional que entre o final do século XIX e início do XX, passou a ser questionado pelas ciências sociais, provocando uma crise nas concepções teóricas da história. Imbuídos dos desafios teóricos colocados pelas ciências sociais os novos historiadores começaram a desconfiar da pretensa objetividade daquela modalidade historiográfica e a perceber os limites do tipo de documentação até então reconhecido para embasar a escrita da história.
            Naquele momento o discurso histórico se configurava numa narrativa personalista, enaltecedora do Estado estabelecida numa cronologia linear evolutiva. O papel e o destino dos indivíduos – os grandes personagens imortalizados – era determinante para a  afirmação da idéia de nação enquanto referência para a memória de um povo.
A hegemonia da chamada história tradicional começou a ruir no começo do século XX, com as objeções colocadas pelos historiadores vinculados ao movimento dos annales. Influenciados pelas ciências sociais, especialmente pela sociologia de Émile Durkheim, perceberam a fragilidade teórica da história tradicional (Escola Metódica). E para constituir-se num conhecimento mais efetivo era necessário um alargamento da concepção de documento histórico, incluindo também aqueles involuntários, além disso, era preciso baixar o olhar para as “massas” e agregar métodos, técnicas e até suprir-se com os resultados construídos por outras ciências sociais, procurando desenvolver um trabalho interdisciplinar.
Requeria-se que a história deixasse sua zona de segurança (e isolamento) para expor-se ao combate com as ciências vizinhas para melhor desenvolver sua “missão”. Configurou-se, assim, o surgimento de uma história social cujo interesse não se resumia aos indivíduos, mas se estendia à coletividade. Seu objeto é o destino da sociedade enquanto totalidade numa tentativa de abarcar todos os tipos de experiência humana. Emergia uma nova cultura historiográfica que viria a se estabelecer no século XX, definindo como sujeito histórico o movimento das multidões (pessoas comuns) em suas ações na sociedade sob as demandas de um sistema econômico no decorrer do tempo.
O papel do historiador também sofreu uma alteração nessa transição pois, passou a ter um papel ativo frente a seus documentos superando a condição de mero compilador de informações. Seu ofício passou a ser orientado pela utilização de novos conceitos e pela a aplicação de princípios teóricos explicativos que davam à história um caráter de atividade intelectual efetiva. No lugar da história política, que valorizava o indivíduo, os historiadores dos annales concentraram seus estudos no fato social, enquanto totalidade evidenciando o tônus geral da sociedade em todas as suas esferas: sociais, econômicas e culturais.

No entanto, isto não significou um desprezo pelos indivíduos, antes operou-se uma mudança de percepção de seu papel na história. O reconhecimento dos indivíduos na história pelos annales pode ser visualizado pelo tratamento que L. Febvre deu a alguns personagens escrevendo-lhes biografias (Lutero, Rabelais). Porém, nessas obras o indivíduo em análise não é considerado enquanto figura exemplar com um fim em si mesmo, cuja importância histórica advém tão somente de seu status político. Antes, a atenção foi posta no indivíduo para se identificar nele especificidades de uma época, ou seja, o indivíduo é analisado com vistas a se compreender a sociedade da qual seria uma espécie de catalisador. Trata-se de um instrumental da história social para a elucidação de uma coletividade num determinado período. 

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