A
história até o século XIX, era concebida enquanto realização de sujeitos
individuais investidos de poder político-econômico. Os feitos desses
personagens consignados em documentos oficiais escritos, pautados numa
cronologia linear, factual, definiam o status de historicidade. A sociedade era
compreendida a partir das configurações resultantes da decantação das ações
desses grandes homens vinculados a instituições representativas como a Igreja,
o Estado ou uma dinastia.
Tais perspectivas definiam o perfil
geral da chamada história tradicional que entre o final do século XIX e início
do XX, passou a ser questionado pelas ciências sociais, provocando uma crise
nas concepções teóricas da história. Imbuídos dos desafios teóricos colocados
pelas ciências sociais os novos historiadores começaram a desconfiar da
pretensa objetividade daquela modalidade historiográfica e a perceber os
limites do tipo de documentação até então reconhecido para embasar a escrita da
história.
Naquele momento o discurso histórico
se configurava numa narrativa personalista, enaltecedora do Estado estabelecida
numa cronologia linear evolutiva. O papel e o destino dos indivíduos – os
grandes personagens imortalizados – era determinante para a afirmação da idéia de nação enquanto
referência para a memória de um povo.
A hegemonia da chamada história
tradicional começou a ruir no começo do século XX, com as objeções colocadas
pelos historiadores vinculados ao movimento dos annales. Influenciados pelas
ciências sociais, especialmente pela sociologia de Émile Durkheim, perceberam a
fragilidade teórica da história tradicional (Escola Metódica). E para
constituir-se num conhecimento mais efetivo era necessário um alargamento da
concepção de documento histórico, incluindo também aqueles involuntários, além
disso, era preciso baixar o olhar para as “massas” e agregar métodos, técnicas
e até suprir-se com os resultados construídos por outras ciências sociais,
procurando desenvolver um trabalho interdisciplinar.
Requeria-se que a história deixasse sua
zona de segurança (e isolamento) para expor-se ao combate com as ciências
vizinhas para melhor desenvolver sua “missão”. Configurou-se, assim, o
surgimento de uma história social cujo interesse não se resumia aos indivíduos,
mas se estendia à coletividade. Seu objeto é o destino da sociedade enquanto
totalidade numa tentativa de abarcar todos os tipos de experiência humana. Emergia
uma nova cultura historiográfica que viria a se estabelecer no século XX, definindo
como sujeito histórico o movimento das multidões (pessoas comuns) em suas ações
na sociedade sob as demandas de um sistema econômico no decorrer do tempo.
O papel do historiador também sofreu uma
alteração nessa transição pois, passou a ter um papel ativo frente a seus
documentos superando a condição de mero compilador de informações. Seu ofício passou
a ser orientado pela utilização de novos conceitos e pela a aplicação de
princípios teóricos explicativos que davam à história um caráter de atividade
intelectual efetiva. No lugar da história política, que valorizava o indivíduo,
os historiadores dos annales concentraram seus estudos no fato social, enquanto
totalidade evidenciando o tônus geral da sociedade em todas as suas esferas:
sociais, econômicas e culturais.
No entanto, isto não significou um
desprezo pelos indivíduos, antes operou-se uma mudança de percepção de seu
papel na história. O reconhecimento dos indivíduos na história pelos annales
pode ser visualizado pelo tratamento que L. Febvre deu a alguns personagens
escrevendo-lhes biografias (Lutero, Rabelais). Porém, nessas obras o indivíduo
em análise não é considerado enquanto figura exemplar com um fim em si mesmo,
cuja importância histórica advém tão somente de seu status político. Antes, a
atenção foi posta no indivíduo para se identificar nele especificidades de uma
época, ou seja, o indivíduo é analisado com vistas a se compreender a sociedade
da qual seria uma espécie de catalisador. Trata-se de um instrumental da
história social para a elucidação de uma coletividade num determinado período.
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