sábado, 18 de janeiro de 2014

"deus" ou Deus?

A palavra “Deus” nos tempos atuais tornou-se, no mínimo, dúbia. Pronunciar essa palavra não diz absolutamente nada sobre a espiritualidade ou filiação religiosa de alguém. A expressão “Deus” tornou-se uma simples interjeição que é utilizada para expressar admiração, espanto, perplexidade. Até mesmo quando a exclamação “meu Deus!” é feita em momentos de angústia e desespero, nem sempre quem o faz tem uma motivação de fé genuína que se mantenha além daquele instante crítico.
No início do século XX, alguns teólogos (europeus e americanos) apoiados nas ideias de um filósofo alemão chamado Nietzsche, chegaram a afirmar que Deus estava morto. Queriam com isso dizer que as ações e a moral humanas estavam tão distantes e independentes das antigas tradições morais e religiosas judaico-cristãs que Deus – como se cria anteriormente – já não fazia mais sentido, não era mais necessário como referência para a vida social e ética.
É importante não esquecer, também, que esse desencanto com Deus teve uma significativa colaboração daqueles que se nomeiam crentes, particularmente os cristãos. Certas práticas e projetos políticos levados a efeitos em nome de Deus ao longo da História certamente contribuíram para que muita gente se decepcionasse com a figura divina invocada como fonte inspiradora de tais projetos.
Apesar disso, a palavra Deus continua a ser uma das mais pronunciadas no cotidiano não religioso. É comum ouvir em qualquer lugar expressões como: “fique com Deus”; “vá com Deus”; “Deus te acompanhe”, etc. Ao ouvir tais frases minha impressão é que neste mundo cheio de ceticismo e indiferença, essas expressões demonstram que no fundo da alma de cada pessoa há um grande desejo de que essa palavra seja mais do que uma expressão corriqueira.
Como cristãos – para quem a palavra Deus continua a fazer sentido – é preciso discernir os tempos. A cada dia fica mais claro que a mera defesa verbal da fé através de discursos racionalmente bem articulados não tem a mesma eficácia de tempos atrás quando a razão cartesiana dominava o ambiente cultural.
O novo ambiente sócio-cultural, (já não tão novo assim), tem como marca a ênfase nos relacionamentos. Atravessando a onda de materialismo consumista é perceptível nas pessoas uma ânsia por relacionamentos significativos. Essa grande busca humana tem sido retratada no mundo da ficção através de novelas, filmes e séries cujos enredos são, quase sempre, desenvolvidos em torno de uma história de amor envolvendo relacionamentos entre homens e mulheres, pais e filhos, entre irmãos ou amigos.
Mais do que discursos ou sermões bem elaborados cheios de sentido os humanos estão em busca de ambientes onde relações humanas autênticas sejam possíveis. Aliás, Jesus nos ensinou que as pessoas compreenderiam melhor a verdade do evangelho na medida em que os discípulos fossem capazes de viver em amor (cf. João 13:34)[1]
Assim, mais do que “falar de Deus” nestes últimos tempos, “andar com Deus”( cf. Gênesis 6:9)[2] e refletir seu amor e generosidade, é o fator indispensável para que as comunidades cristãs se tornem modelos de vida em que seja visível a vida abundante prometida por Jesus (João 10:10)[3]. É isso e não meros discursos religiosos que dará relevância  à fé cristã na sociedade contemporânea.





[1] Evangelho de João cap. 13, versículo 34: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros.”

[2] Livro de Gênesis cap. 6, versículo 9: “...Noé era homem justo, íntegro entre o povo da sua época; ele andava com Deus.”

[3] Evangelho de João cap. 10, versículo 10: “...eu vim para que tenham vida e vida em abundância;”

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